IV - Abscesso-Fístula Anal

Diagnóstico

COSTA E SILVA, I.T. Abscesso-fístula anal: diagnostico. Módulos de Coloproctologia. Disciplina Cirurgia do Sistema Digestório, Órgãos Anexos e Parede Abdominal. Universidade Federal do Amazonas. Disponível em: <http://home.ufam.edu.br/dcc1/modulos/IV/4diagnostico.htm>. Acesso em: 30/7/2019.
   O diagnóstico das supurações anorretais se faz basicamente com o exame proctológico do paciente. Muito do que é ouvido na história da afecção pode ser levado em consideração, mas o exame físico da região perianal e do canal anal é o pilar em que se baseia o diagnóstico destas lesões. A retossigmoidoscopia rígida ou flexível é sempre importante para que se obtenha maiores subsídios sobre a supuração apresentada pelo paciente, para afastar a presença de afecções concomitantes ou para definir a doença de base do paciente, que levou ao aparecimento do abscesso/fístula anal. Dúvidas que surjam podem ser resolvidas com outros exames subsidiários.

Abscesso perianal
   Haverá aumento de volume num dos espaços isquioanais, com edema cutâneo e hiperemia, apresentando-se a pele distendida e brilhante. Não é comum que o paciente apresente queda do estado geral ou febre, mas em geral muita dor é referida na região. A palpação local revela uma massa ovóide, muito dolorosa e, com o passar dos dias, com flutuação central. O toque retal é muito doloroso, mas não há abaulamentos do canal anal. Se houver drenagem espontânea da lesão, um orifício externo poderá ser observado, de onde ocorre saída ativa de secreção purulenta. A drenagem do abscesso, espontânea ou provocada, leva à melhora imediata dos sintomas.

Abscesso Isquiorretal
   O aumento de volume é mais volumoso e difuso, estendendo-se da região perianal para a pele das nádegas, mais lateralmente. O paciente normalmente encontra-se febril e com queda do estado geral. O toque retal revela endurecimento do canal anal num ou mais quadrantes, sem abaulamentos. A palpação externa não costuma revelar flutuação, a não ser muito tardiamente na evolução do processo infeccioso. Pode haver concomitância de acometimento da fossa isquiorretal contralateral. Raramente, um ou mais orifícios externos de drenagem espontânea poderão ser observados, porém a flutuação mantém-se (Figura 1).

Abscessos Interesfinctérico e Submucoso
   Externamente, na região orificial anal, nada é notado de anormal. O toque retal é extremamente doloroso e, em grande parte dos casos, só consegue ser realizado sob narcose. Revelará normalmente abaulamento de um ou dos dois quadrantes de uma hemicircunferência anal, em região suprapectínea. Pode haver saída de pus sobre o dedo de luva ou ativamente pelo orifício ao término do exame.

Abscesso supralevantador (ou pelvirretal)
   O exame físico do abdome normalmente revela dor à palpação do hipogástrio. A presença de abaulamento da parede retal, entre os terços inferior e médio do reto, por compressão extrínseca da coleção purulenta situada no espaço pelvirretal, pode ser observada no toque bimanual do reto ou da vagina (uma mão palpa o abdome inferior e outra procede ao toque).

Fístulas

   Um ou mais orifícios externos poderão ser observados na pele da região peri e paraanal como elevações avermelhadas de tecido de granulação que contêm um pertuito de onde ocorre saída de secreção piossanguínea. Orifícios situados próximos à borda anal são em geral ligados a fístulas interesfinctéricas, ao passo que os situados mais lateralmente associam-se mais freqüentemente a fístulas transesfinctéricas. A regra de Goodsall determinará, na maioria dos casos, a direção, no plano horizontal, que a fístula assume em relação ao canal anal (vide classificação das fístulas).  A palpação dos trajetos fistulosos confirmará, na maioria dos casos a direção que assumem. Os trajetos fibrosos são sentidos como tubos teciduais endurecidos cilíndricos retilíneos ou curvilíneos que se dirigem do orifício fistuloso externo ao canal anal, na região pectínea. Nela, a presença de um orifício interno raramente poderá ser sentida ao toque retal como uma depressão anelar  puntiforme de bordas endurecidas situada na metade do canal anal cirúrgico. As fístulas oriundas de abscessos supralevantadores abrem-se para a pele das nádegas, bem lateralmente em relação ao ânus.
   Fístulas primárias, em geral, são ou anteriores ou posteriores em relação ao orifício anal, segundo a regra de Goodsall. As secundárias (D. de Cröhn, Tuberculose, Retocolite Ulcerativa Idiopática, Carcinoma, Actinomicose, etc.) normalmente são múltiplas, laterais, associadas a outras lesões orificiais (em geral, úlceras ou fissuras) e não obedecem à regra de Goodsall.

Retossigmoidoscopia
   A retossigmoidoscopia é importante no diagnóstico de supurações anorretais para tentar a identificação do orifício interno do abscesso/fístula. Sendo possível esta identificação, consegue-se definir se o orifício fistuloso interno está localizado no canal anal ou no reto. O exame é importante também para identificar a presença de doenças que possam ser responsabilizadas pelo surgimento das supurações anais e para afastar a presença de afecções concomitantes. Deve sempre ser realizada em qualquer paciente portador de supuração anorretal, seja ela abscesso ou fístula. Quando dor local for um sintoma impeditivo para a realização do exame, o mesmo deve ser feito sob anestesia, imediatamente antes da eventual correção cirúrgica da afecção.

Estudos de Diagnóstico por Imagem
   A realização de fistulografia pouco ou nada adiciona ao que pode ser descoberto com um exame proctológico bem feito. Em geral não é utilizada, a não ser em casos de suspeita de fístulas extraesfinctéricas. 
   O enema opaco pode ser útil no estudo do intestino grosso para afastar, por exemplo, a presença de Doença de Cröhn em segmentos cólicos mais proximais.
   A endossonografia anal ajuda a definir a localização precisa de abscessos e fístulas interesfinctéricos altos.
   A ressonância nuclear magnética pelviperineal constitui-se em ferramenta diagnóstica útil na investigação de casos de abscessos-fístulas anais complexos.

Estudos Microbiológicos
   A coleta de material purulento oriundo do abscesso para bacterioscopia e cultura é muito importante, embora raramente realizada. Se o agente bacteriano encontrado for o Staphylococcus aureus, muito provavelmente o abscesso não evoluiu da infecção de uma glândula anal e sua simples drenagem resolverá o processo. Caso o microrganismo encontrado seja um dos que compõem a flora intestinal (enterococo, bactérias anaeróbicas), muito provavelmente está-se diante de um abscesso de origem infecciosa criptoglandular e deve-se sair à procura de seu orifício interno. Sua drenagem resultará na formação de uma fístula anal.

Diagnóstico Diferencial
   Doenças que comumente podem ser causa de confusão no diagnóstico de abscessos anorretais são as que cursam com dor e/ou infecção anal, tais como fissura anal, trombose hemorroidária, bartolinite, hidradenite supurativa e abscesso periuretral.