Possuímos
coxins miofibroelastovasculares externa e internamente situados no ânus e canal anal.
Tais coxins são preenchidos ricamente por tecido vascular, oriundo dos vasos retais
superiores, médios e inferiores. Estes vasos anastomosam-se entre si formando o chamado
"corpo cavernoso do reto", no qual artérias conectam-se a veias, sem a
presença intermediária de capilares (formando verdadeiros shunts
arteriovenosos). Os vasos hemorroidários normalmente são separados e recebem o suporte
de fibras musculares longitudinais (muscular da submucosa do ânus) que auxiliam na
fixação local dos coxins na metade superior do canal anal (a que se situa acima da linha
pectínea). Os coxins vasculares submucosos internos fixam-se, na altura da linha
pectínea, à musculatura lisa do músculo esfíncter interno pela cinta do
pécten.
Normalmente, com o ato da defecação, a zona dos coxins vasculares internos desce até o
nível do orifício anal, por deslizamento do plano tecidual mucoanodérmico
sobre
o plano muscular esfinctérico interno. Existe, então, um momento, no ato da defecação,
em que os elementos anatômicos situados na altura da linha pectínea ficam caudalmente
situados em relação à borda externa dos esfíncteres anais (Figura 1).
Ao iniciarmos o processo da defecação, com a manobra de Valsalva,
ocorre congestão dos coxins teciduais anais, que rapidamente se esvaziam com o
relaxamento esfinctérico que ocorre com a passagem do bolo fecal (Figura 2). Tentar
forçadamente esvaziar o reto de fragmentos residuais de fezes (após a
eliminação do bolo fecal principal), só causará elevação demasiada da pressão
vascular anal, com ingurgitação dos coxins vasculares, que será maior se os coxins
estiverem situados abaixo da zona de contração esfinctérica.
A principal causa da doença hemorroidária é a congestão e a hipertrofia dos coxins internos do ânus. Os coxins
tornam-se congestos por não se esvaziarem rapidamente após a defecação, por serem
anormalmente móveis ou por serem aprisionados por um conjunto esfinctérico anal
apertado. Estando congestos, os coxins vasculares possuem maior tendência ao sangramento
e ao edema. O edema leva ao aumento de volume e estiramento tecidual e, finalmente, à
hipertrofia.
Fatores que aumentam a pressão positiva
intra-abdominal têm sido considerados como predisponentes ao surgimento de doença
hemorroidária. Assim é com as hemorroidas da gravidez (por aumento da pressão
abdominal provocada pelo útero gravídico), com as hemorroidas de halterofilistas (pelo
excessivo aumento da pressão abdominal provocado por manobras de Valsalva repetidas e
prolongadas durante a elevação de pesos) e com as hemorroidas de aviadores de caça
(que ao "puxarem muito G" em sentido craniocaudal forçam o ingurgitamento dos
coxins vasculares do ânus), para citar apenas alguns exemplos.
A perda dos elementos fibroelásticos de
fixação da mucosa anal à musculatura lisa subjacente, por estiramento crônico
toda a vez que ocorre esforço para defecar, leva ao descolamento da mucosa da musculatura,
fazendo com que os coxins vasculares apresentem maior ingurgitação. Tais elementos de
fixação atenuam-se por ação endócrina, com a idade, e como conseqüência da
constipação intestinal que leva ao esforço demasiado para defecar.
A eliminação de fezes endurecidas provoca o surgimento de
forças de cisalhamento sobre os coxins vasculares internos do ânus pelo
escorregamento do plano da mucosa sobre o plano da musculatura lisa subjacente. O
plano submucoso, intermediário entre os dois últimos, é atravessado pelos
elementos de fixação dos coxins vasculares e sofre toda a ação de corte deste
escorregamento entre planos teciduais. Tais forças de cisalhamento acabam por romper os
elementos de fixação dos coxins e estes, soltos e frouxos, apresentam maior tendência ao
ingurgitamento e ao prolapso. O esforço prolongado para a defecação (comum em
indivíduos constipados) mantém estes coxins vasculares frouxos exteriorizados para fora
da borda externa do esfíncter interno, o que provoca sua constrição e congestão.
A hereditariedade parece ser um fator a
ser considerado na gênese das hemorroidas, pois não é raro observar o relato de
familiares com doença hemorroidária em pacientes portadores da mesma.
Muito embora não existam estudos populacionais cientificamente
controlados sobre o assunto, há indícios contraditórios de que a doença hemorroidária
é mais comum entre os povos do ocidente desenvolvido do que entre os subdesenvolvidos,
provavelmente por causa da dieta, que entre os ocidentais
tende a ser pobre em resíduos, levando à
constipação. Este fator entretanto tem-se alterado ultimamente com a maior conscientização da população acerca dos benefícios da adoção de dietas ricas em fibras.
Estudos manométricos do canal anal realizados em Birmingham3,4
revelaram existir dois grupos de indivíduos portadores de hemorroidas em relação ao
tônus esfinctérico anal: os com hipertonia esfinctérica
(em geral, homens jovens com sangramento e desconforto anal, sem prolapso, e que, ao toque
retal, apresentavam um canal anal apertado) e os com hipotonia
esfinctérica (em geral, mulheres multíparas, com um canal anal frouxo ao toque
retal, e que se queixavam de prolapso hemorroidário).
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