Doença Pilonidal

Definição

    A Doença Pilonidal representa uma afecção inflamatória crônica em que pêlos estão envolvidos. Pode manifestar-se sob a forma de cistos ou de fístulas e é mais comumente encontrada na região sacrococcígea. Responde por uma taxa significativa de absenteísmo (falta ao emprego) em países industrializados, tendo sido causa importante de baixas hospitalares entre combatentes na Segunda Guerra Mundial e na Guerra do Vietnã.
   Pilonidal é um verbete composto de palavras de origem latina (pilus = pêlo; nidus = ninho) que quer significar cavidade repleta de pêlos.

Etiopatogenia

   No início considerada doença de origem puramente congênita, hoje acredita-se que a afecção incida em pacientes que, de forma congênita, apresentam covas (cavidades, recessos) cutâneas na região sacrococcígea, mais propriamente no sulco interglúteo, nas quais, de forma adquirida, aglomeram-se pêlos e cabelos soltos. Tais estruturas são oriundas das regiões vizinhas e de locais tão distantes quanto a nuca, de onde se destacaram, migrando pela goteira vertebral até acumularem-se na região pós-anal. Os pêlos, assim acumulados, emaranham-se, assumindo o formato de um fuso capilar (pela ação de fricção da pele de uma nádega sobre a outra), que, como se fôra uma broca, acaba perfurando a pele destas covas, em sentido cranial, instalando-se no tecido celular subcutâneo. Uma vez sob a pele, o fuso capilar provoca uma reação de corpo estranho e, com o acúmulo de restos epiteliais e material sebáceo, evolui para a formação de abscesso. Tal supuração não consegue romper-se para o exterior pela linha média em virtude dos septos fibrosos pré-sacrais existentes na região, assumindo trajetos  subcutâneos secundários que terminam por drenar lateralmente, geralmente à esquerda.

   É interessante saber que são as raízes dos pêlos que perfuram a pele e não suas pontas (como se poderia inicialmente pensar), uma vez que as primeiras é que são encontradas nas profundezas das cavidades císticas pilonidais, enquanto que as últimas podem ocasionalmente ser observadas despontando dos orifícios primários dos cistos, na pele da região pós-anal. Explica-se esta tendência pela conformação anatômica dos pêlos e cabelos, que são formados por escamas de extremidades cranialmente salientes, dispostas, de maneira ordenada, umas sobre as outras, em inserção oblíqua. Tal disposição oblíqua das extremidades salientes das escamas dos pêlos faz com que eles migrem no sentido de suas raízes, ao serem rolados sobre seu eixo longitudinal, por fricção de uma nádega sobre a outra, por assim oferecerem menor resistência ao movimento. Tal fato pode facilmente ser entendido por analogia rolando-se um cabelo solto entre as polpas digitais do polegar e do dedo indicador de uma das mãos: tal movimento de fricção fará com que o elemento capilar mova-se no sentido de sua raiz.

Patologia

  Encontrada principalmente no sulco interglúteo da região pós-anal, a doença pilonidal também já foi descrita na prega interdigital da mão de barbeiros, na região umbilical, em cotos de amputação de membros inferiores, nas axilas, na região perineal, e na região pubiana.

   Caracteriza-se por um aumento de volume cutâneo na região pós-anal que normalmente apresenta um orifício primário deprimido na linha média (ocasionalmente mais de um pode ser encontrado), revestido por pele em seus 2 mm iniciais e por tecido de granulação daí por diante, que mergulha para o interior da cavidade cística, de onde costumam emergir as extremidades dos pêlos nela contidos. Em geral, também, pode-se observar um ou mais orifícios secundários elevados (geralmente mais de um), recobertos por tecido de granulação, dispostos lateralmente à linha média, geralmente à esquerda e cranialmente posicionados em relação ao orifício primário (raramente são encontrados em situação caudal ao orifício primário). Tais orifícios laterais constituem-se as portas de drenagem para o exterior do material purulento contido no interior dos cistos. Os pêlos encontrados no interior da cavidade cística estão com suas raízes voltadas em sentido cranial, dispostas nas profundezas do cisto, enquanto que suas pontas voltam-se para o exterior, normalmente despontando pelo orifício primário (Figura 1).

   Há relatos raros e isolados de transformação maligna de cistos pilonidais de longa duração. O câncer mais comumente descrito é o carcinoma epidermóide, seguido do carcinoma basocelular e do adenocarcinoma de glândulas sudoríparas.

Incidência

   A doença pilonidal incide principalmente em adultos jovens do sexo masculino entre a 2ª e a 4ª décadas de vida. As mulheres costumam apresentá-lo em idade mais precoce. Aparentemente, depois dos 45 anos, a doença deixa de ser reconhecida como entidade clínica. A afecção é rara em negros e é mais comumente observada em indivíduos hirsutos morenos, mas também é encontrada em louros imberbes.

Quadro Clínico

   A doença pilonidal pode não dar sintoma algum, sendo achado ocasional no exame físico de pacientes assintomáticos que procuram auxílio médico por outras causas, ou pode manifestar-se sob a forma de processos supurativos da região sacrococcígea. Quando este é o caso, a infecção observada pode ser aguda, um abscesso, ou crônica, uma fístula em fundo cego.

Doença Pilonidal Assintomática
   É descoberta pela existência de um ou mais orifícios primários na linha média interglútea da região pós-anal, cerca de 5 cm acima do ânus. Por estes orifícios podem aflorar pêlos compridos, não havendo sinais flogísticos na região. Perguntado sobre elas, o paciente costuma desconhecer estas suas características anatômicas pessoais.

Infecção Crônica
   A maioria dos pacientes com doença pilonidal, ao procurar auxílio médico, conta uma história de alguns ou vários episódios de infecção recorrente na região sacrococígea, com sinais flogísticos (dor, calor, rubor, tumor, impotência funcional), que causam dificuldade para a deambulação e para sentar, seguidos da drenagem de material purulento, ora espontânea ora cirúrgica. Ao exame físico destes pacientes, nota-se a presença do(s) orifício(s) primário(s) mediano(s), de onde podem despontar pêlos longos, e dos orifícios secundários laterais, de onde costuma drenar uma secreção purulenta fétida. As bactérias mais freqüentemente isoladas nesta forma de manifestação da doença são as coliformes e os germes anaeróbicos.

Infecção Aguda
   Alguns pacientes podem ser vistos apresentando uma tumoração de características inflamatórias, com flutuação central, na região sacrococcígea, causa de grande impotência funcional e de fenômenos piréticos. A afecção é reconhecida como abscesso pilonidal por apresentar um ou mais orifícios primários na linha média, de onde podem ou não despontar pêlos longos. Costuma evoluir para a drenagem espontânea, através de orifícios secundários laterais, ou o paciente acaba necessitando de drenagem cirúrgica para alívio dos sintomas. Na doença aguda, o estafilococo é o germe mais freqüentemente isolado.

Diagnóstico

   É realizado pelo exame físico de pacientes que apresentam uma das formas de manifestação clínica da doença.

   O exame da região pós-anal demonstrará a presença de um ou mais (em geral um) orifícios primários, reconhecidos como orifícios deprimidos medianos, situados no sulco interglúteo, recobertos por pele e de onde costumam despontar pêlos longos, e de um ou mais (em geral mais de um) orifícios secundários elevados, situados lateralmente à linha média, em geral à esquerda, recobertos por tecido de granulação, de onde costuma sair, espontaneamente ou à expressão, secreção purulenta. A pele da região acometida, nos casos em que existe supuração, encontra-se deformada por abaulamento e/ou retração e edemaciada e, nos casos mais crônicos, com diminuição da cobertura pilosa. À palpação, encontra-se endurecida, podendo ou não apresentar pontos de flutuação. O orifício primário é achado determinante para o diagnóstico de doença pilonidal sacrococcígea, sendo sempre encontrado. Os orifícios secundários podem ou não estar presentes, dependendo da forma de manifestação clínica da doença (vide seta acima).

   A doença pilonidal deve ser diferenciada da hidradenite supurativa, da fístula anal e de afecções congênitas que acometem a região sacrococcígea.

   A hidradenite supurativa é uma doença supurativa das glândulas sudoríparas apócrinas e acomete, além da região sacrococcígea, a pele de ambas as nádegas. Caracteriza-se pela presença de múltiplos orifícios cutâneos minúsculos de onde sai secreção seropurulenta. Tais orifícios fistulosos múltiplos levam a cavidades subcutâneas superficiais, sendo uma cavidade drenada por vários orifícios. Eventualmente várias cavidades unem-se formando uma cavidade maior recoberta por pele edemaciada e com áreas de retração tecidual. O aspecto da pele das nádegas e da região sacrococcígea de indivíduos acometidos da hidradenite supurativa já foi assemelhado ao formato da extremidade de um regador de plantas (com seus múltiplos orifícios ativos). Não há nada que se assemelhe ao orifício primário mediano observado em casos de doença pilonidal.

   A fístula anal não costuma estender-se para a região pós-anal, mas alguns casos de doença pilonidal podem ser confundidos com fístula anal por apresentarem seus trajetos secundários em direção caudal. Muito raramente um cisto pilonidal pode complicar-se com uma fístula anal. O diagnóstico diferencial deve ser realizado com um exame proctológico completo (incluindo retossigmoidoscopia).

   Algumas afecções congênitas podem acometer a região sacrococcígea, podendo ser confundidas com a doença pilonidal. Recém-natos podem ser vistos com uma fístula sacrococcígea representativa de vestígio do canal medular, por onde pode fluir líquor. A mortalidade nestes casos é alta por meningite. Cistos sacrococcígeos de tração ou de inclusão dérmica podem dar lugar à formação de grandes tumorações na região, que podem acabar desenvolvendo fístulas. Nestes casos, a região sacrococcígea apresenta-se acentuadamente abaulada e não costuma apresentar sinais flogísticos evidentes. Não há orifícios primários sobre as tumorações. Teratomas sacrococcígeos também podem ser encontrados na região e seu aspecto é o mesmo dos cistos dermóides supracitados.

   Nos raros casos de degeneração maligna de cistos pilonidais, a lesão pode ser evidenciada com uma área de enduração localizada ou pode ser achado ocasional em material excisado submetido a exame histopatológico. Em geral, mesmo no caso de diagnóstico ocasional, metástases linfáticas já ocorreram e o prognóstico em 5 anos não é favorável.

Tratamento

   Atualmente não se indica tratamento para cistos pilonidais assintomáticos.

   O tratamento do cisto pilonidal sintomático é cirúrgico. Várias técnicas já foram descritas na tentativa de corrigir a afecção e evitar sua recidiva, e atualmente os procedimentos cirúrgicos em voga são os de invasão mínima.

   No caso de abscessos pilonidais, os mesmos são simplesmente drenados sob anestesia geral, bloqueio regional ou local, retirando-se uma pequena elipse de pele no local de drenagem, a fim de que a ferida não se oclua precocemente, antes da cicatrização da cavidade cística por segunda intenção. Após a drenagem observa-se o paciente ambulatorialmente por vários meses até que este apresente ou não recidiva sintomática da doença pilonidal. Muitos pacientes poderão não mais apresentar queixas relativas à doença pelo resto da vida.

   No caso de cistos pilonidais fistulizados, a menor intervenção que provoque o fechamento, por segunda intenção, da cavidade cística deve ser empregada. Costumamos praticar a incisão (do teto cutâneo do cisto, em todas as suas ramificações) e curetagem (do leito de toda a cavidade cística) do cisto, ou cistotomia pilonidal. Tal técnica deixa feridas menores do que as que anteriormente redundavam da excisão ampla do teto do cisto (cistectomias) e responde por um período de cicatrização mais breve. O produto da curetagem do leito cístico deve ser enviado para estudo histopatológico para afastar a presença de neoplasia insuspeita. Muita ênfase tem sido dada a procedimentos menores, realizados sob anestesia local, em que se procede à excisão de uma elipse de pele imediatamente em volta dos orifícios primários e secundários e à exfoliação dos trajetos fistulosos subcutâneos com uma pequena escova redonda de cerdas de náilon ou de aço delicadas, retirando os pêlos e o tecido de granulação acestados na cavidade cística.

   Impedir que pêlos cresçam para o interior das feridas cirúrgicas em cicatrização é muito importante para a diminuição dos índices de recidiva de cistos pilonidais operados. A maneira mais simples de se evitar tal ocorrência é a escovação dos pêlos situados na pele circunjacente às feridas forçando-os a repousarem lateralmente, sobre as nádegas, e não medialmente, sobre o sulco interglúteo. A área também pode ser diariamente tricotomizada, mas, para tanto, precisa-se de uma outra pessoa que proceda à tricotomia.

Prognóstico

   Por ser considerada atualmente uma afecção autolimitada, que raramente oferece problemas após os 45 anos de idade, a tendência atual do manejo de pacientes com doença pilonidal é a de tratá-la por meio de procedimentos cirúrgicos de invasão mínima, mesmo repetidos, se houver recidiva, até que a moléstia entre na fase assintomática. Os índices de recidiva destes procedimentos variam de 11 a 16%, mas estão mais relacionados ao cuidado prestado à região sacrococcígea no pós-operatório do que a eventuais falhas técnicas. A higiene da região perianal e pós-anal deve ser esmerada e os pêlos locais devem ser escovados de forma a assumirem uma direção lateral, para repousarem sobre a pele das nádegas e não sobre o sulco interglúteo.

Bibliografia

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3. KEIGHLEY, M.R.B. & WILLIAMS, N. S. - Surgery of the Anus, Rectum and Colon, London, W. B. Saunders Co. Ltd., 1993, 2448 p.

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5. ZUIDEMA, G. D. & CONDON, R. E.- Shackelford’s Surgery of the Alimentary Tract, 3rd. ed., Vol. IV - Colon, Philadelphia, W. B. Saunders Co. Ltd., 1991, 426 p.

6. http://home.earthlink.net/~tsc/refs.html#Pilonidal Sinus - Site da The Surgery Clinic com informações sobre Cirurgia Geral.

7. http://pediatrics.medscape.com/SMA/SMJ/1998/v91.n12/smj9112.03.brow/smj9112.03.brow-01.html -Artigo sobre Hidradenite supurativa - Recomendado.