Definição |
A Doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória intestinal (DII) que se caracteriza pelo desenvolvimento de um processo inflamatório de natureza transmural, que possui distribuição segmentar ao longo de todo o tubo digestivo, e que acomete principalmente a região do íleo terminal e freqüentemente a região perianal. Quando situada no colo, a afecção tem sido comumente denominada colite granulomatosa. |
O estudo da real incidência da DC na população possui alguns óbices difíceis de serem contornados. O principal deles talvez seja a grande semelhança e por vezes indistinção que alguns casos da doença possuem em relação à Retocolite Ulcerativa Idiopática (RCUI), apesar das tentativas clínicas e laboratoriais exaustivas em diferenciá-las. A grande prevalência de diarréia infecciosa na população de países com sistemas de saúde precários e a dificuldade operacional e logística de levantamento de dados estatísticos confiáveis observada em países em desenvolvimento são óbices adicionais de importância. Durante as duas últimas décadas e meia, a DC do intestino grosso tem sido cada vez mais diagnosticada, mas este fato provavelmente não reflete um aumento na incidência da afecção neste segmento do tubo intestinal, mas sim uma melhora dos recursos diagnósticos de que se dispõe para diferençá-la da RCUI. Não parecem influir na epidemiologia da DC fatores socioeconômicos. Fatores Genéticos A DC é mais comumente encontrada em irmãos de pacientes portadores de DC do que na população geral. Já se atribuiu um risco 17 a 35 vezes maior da DC se desenvolver em irmãos de pacientes com a afecção do que na população geral. Atualmente considera-se que esta característica genética é muito mais marcante para a DC do que para a RCUI. Na Suécia, verificou-se que 8 de 18 duplas de gêmeos monozigotos apresentaram concomitantemente DC, ao passo que apenas uma dupla em 16 de gêmeos monozigotos apresentou RCUI. Apesar de tais números impressionantes em relação à DC, o índice de concordância da doença, mesmo em gêmeos homozigotos é significativamente menor do que 100%. Isto aponta para a importância de outros fatores na tendência de desenvolver a DC que indivíduos geneticamente propensos possuem. As chances de marido e mulher, sem laços de consangüinidade, desenvolverem DC é muito maior do que as chances de apresentarem RCUI, provavelmente apontando para o fato de que a doença possa ter a mesma origem exógena. Importância Geográfica A DC é comumente observada nas populações que habitam o noroeste da Europa e a América do Norte, sendo muito menos descrita nos países mediterrâneos. É incomum na maior parte da África, Ásia e América do Sul, sendo mais descrita, nestas regiões, em países cuja colonização foi britânica ou nórdica. No Reino Unido, diversos estudos apontam para uma incidência que varia entre 0,3 a 5,3 casos novos da doença por 100.000 habitantes por ano e uma prevalência de 9 a 56 casos da doença por 100.000 habitantes, em diversas regiões das ilhas. Na América do Norte, da mesma forma, a incidência da afecção varia entre 0,7 e 6,6/100.000, enquanto que a prevalência de 6,3 a 106/100.000. Sexo e Idade A DC costumava apresentar uma tendência de afetar ligeiramente mais mulheres do que homens, numa proporção de 3:2, mas ultimamente vem sendo descrita em proporção idêntica em ambos os sexos. Pode ser encontrada em qualquer faixa etária, mas a grande maioria dos casos são observados entre os 15 e 35 anos de idade. Diferenças Étnicas Nos EUA, a DC incide menos em indivíduos da raça negra do que em caucasianos. Judeus são notoriamente mais propensos a desenvolver a doença do que os gentios nos locais onde geograficamente a afecção é mais encontrada. Em Israel, no entanto, a DC é menos comum do que nas populações brancas dos EUA e Noroeste Europeu. Judeus Ashkenazi residentes em Israel têm uma proporção maior de desenvolver a DC caso tenham nascido nos EUA ou na Europa. O inverso ocorre com judeus autóctones ou não-Ashkenazi em Israel. Parece então que os judeus que apresentam maior suscetibilidade para a DC possuem-na mais por razões ambientais do que genéticas. Diferenças Urbanas e Rurais A DC foi descrita como sendo mais comum em indivíduos que moram em cidades do que nos que vivem em ambiente rural. Para doentes com RCUI, este quesito não exerce tanta influência. Há estudos multicêntricos em andamento procurando aclarar tal tendência epidemiológica. Dieta Parece que indivíduos que costumam ingerir dietas pobre em fibras e rica em açúcar refinado estão mais propensos a desenvolver a DC. Tabagismo Embora inicialmente se achasse que o tabagismo expusesse pacientes geneticamente propensos a desenvolver a DC a um maior risco de expressá-la, hoje aceita-se que o vício não influi na manifestação da moléstia. Curva Ascendente da Incidência Tem-se observado nos últimos 50 anos uma tendência aumentada para o aparecimento de casos novos diagnosticados tanto de DC quanto de RCUI em países onde estas DII mais incidem (Reino Unido, países nórdicos e América do Norte). Mas, aparentemente, esta curva ascendente chegou a um patamar na década de 80 e estabilizou-se. |
Macroscopia
A DC caracteriza-se por sua distribuição segmentar (as lesões em salto - skip lesions), o acometimento freqüente do íleo terminal e a presença usual de complicações perianais, mesmo estando o reto preservado. Da mesma forma, o comprometimento inflamatório da afecção é transmural, com fissuras profundas que comumente perfuram a parede intestinal e penetram em estruturas adjacentes, causando abscessos e fístulas. À laparotomia de um caso suspeito de DC, o segmento intestinal comprometido pode ser caracteristicamente reconhecido pela presença de hiperemia serosa com vasocongestão subserosa, edema acentuado e rigidez parietal (conferindo o aspecto de mangueira ao segmento enrijecido), pela presença do abraço mesentérico (gordura mesentérica) e pela linfadenomegalia mesentérica satélite. (Figura 1) A abertura da luz de um espécime excisado de DC revela um marcado espessamento da parede intestinal e o aspecto de pedras de calçamento (cobblestone - pedras de calçamento naturalmente arredondadas usadas na pavimentação de ruas inglesas - Figura 2) da mucosa com ulcerações lineares extensas de permeio (link 1, link 2). Microscopia Por ser uma doença panentérica (pode comprometer todo o tubo digestivo, da boca ao ânus), aspectos histopatológicos da DC podem ser surpreendidos em biópsias teciduais retiradas de locais remotamente situados em relação ao segmento comprometido pela doença. Os principais achados microscópicos da DC são a presença de granulomas de células gigantes de Langhans não-caseosos (considerado sinal microscópico patognomônico da DC, mas nem sempre encontrado nos espécimes acometidos pela doença) (link 3), microabscessos, fissuras, um infiltrado celular inflamatório crônico, hiperplasia linfóide, edema e fibrose. Critérios Diagnósticos Histológicos da Colite Granulomatosa Maiores 1. Granulomas de células gigantes
intramurais ou nos linfonodos regionais; Menores 1. Linfangiectasia submucosa; Muito embora os achados macro e microscópicos da DC estejam bem descritos e estudados, em aproximadamente 10 a 15% dos casos pode ser muito difícil diferençar de forma absolutamente inequívoca a DC da RCUI (Tabela 1). O termo colite indeterminada tem sido empregado para pacientes nos quais um diagnóstico patológico definitivo não pode ser realizado. |
Assim como na
RCUI, a etiologia da DC ainda é obscura. A hipótese etiológica mais debatida da DC é a de que ela seria causada por um agente infeccioso. Entretanto, um agente infeccioso específico não foi ainda demonstrado como causador de todos os casos de DC. É possível que agentes diferentes possam provocar o surgimento da afecção (dois dos mais estudados são o Mycobacterium paratuberculosis e o vírus do sarampo). Algo bem determinado atualmente é o fato de que, seja qual for o agente agressor, a mucosa intestinal de doentes com DII não possui a capacidade de responder adequadamente a agressões ao combatê-las. Sendo assim, a hipótese em voga atualmente é de que a DC seria causada por um agente infeccioso que agride indivíduos imunológica ou geneticamente suscetíveis. |
As
manifestações clínicas da DC são resultado da inflamação crônica
transmural que se desenvolve no tubo digestivo.
Íleo Terminal Sendo o íleo terminal o local de comprometimento mais comum da doença (50 a 75% dos casos da afecção), normalmente pacientes com doença predominante neste local apresentam dor abdominal em cólica, hiperestesia localizada na fossa ilíaca direita, perda de peso e alteração do hábito intestinal (diarréia e/ou constipação). Anemia e baqueteamento digital são achados comuns nestes doentes. A doença, em sua fase inflamatória ativa, causa anorexia, mal-estar (com febrícula) e diarréia (tipicamente desprovida de sangue e de menos de 6 deposições diárias). Com a estenose que se desenvolve mais tardiamente, os sintomas passam a ser principalmente obstrutivos. Febre alta e sinais de irritação peritoneal na fossa ilíaca direita, com massa dolorosa e palpável na região podem ser causa de confusão com a apendicite aguda, e são encontrados em pacientes com supurações periileais (abscessos e fístulas locais). Sintomas urinários nestes pacientes podem ser causados pela presença de fístula ileovesical. Também podem ser observadas fístulas enterocutâneas de aparecimento espontâneo ou após a drenagem de um abscesso. Intestino Grosso Em geral a DC que compromete o colo está associada a doença presente também no íleo terminal, em continuidade ou não. A doença pode comprometer difusamente o intestino grosso, mas sua manifestação segmentar é mais comum. O reto costuma estar preservado, mesmo na presença de complicações perianais. A colite granulomatosa (como é conhecida a DC cólica) caracteriza-se pela tríade diarréia persistente, perda de peso e dor abdominal. A diarréia não é tão intensa quanto a observada na RCUI, não costumando ser disentérica. A dor abdominal, em geral, deve-se a fenômenos obstrutivos, mas pode-se dever a complicações supurativas (abscessos e fístulas) da doença ileocólica. O megacolo tóxico pode complicar a colite granulomatosa em cerca de 8% dos casos e seus sintomas são idênticos aos observados na RCUI. Caracteristicamente, costuma ocorrer em pacientes cuja história da doença não é longa e nos em que o reto está preservado. Pacientes mais idosos costumam apresentar uma forma de colite granulomatosa segmentar difícil de ser diferençada da doença diverticular complicada, mas a presença de doença perianal e de complicações locais do tipo abscesso pericólico e fístula estercoral pode chamar a atenção para a etiologia granulomatosa da afecção. Região Perianal Complicações perianais (primárias: fissuras anais, plicomas anais, úlceras anais; e secundárias: abscessos e fístulas anorretais, estenoses e fístulas anovaginais ou retovaginais, e câncer anorretal), em geral remotamente situadas em relação ao sítio principal da doença, são um achado freqüente da DC. As fissuras anais em geral são indolores e fazem-se acompanhar de plicoma sentinela e comumente de uma pequena fístula associada (fissura fistulizada). Os plicomas cutâneos em geral são múltiplos e exuberantes e se devem a linfedema do tecido celular subcutâneo. As úlceras anais são feridas irregulares da região orificial e do canal anal que escavam a musculatura esfinctérica, estendendo-se até acima da região pectínea e comumente até o reto. São muito dolorosas e invariavelmente complicam-se com fenômenos supurativos e podem evoluir para estenose anal. Grandes destruições teciduais podem levar à incontinência. As fístulas anorretais e os abscessos da DC costumam ser atípicos e complexos, não respeitando planos teciduais. Fístulas anovaginais e retovaginais podem ocorrer em cerca de 3,5 a 20% dos pacientes com DC perianal. As estenoses anorretais não são muito freqüentes na DC. Podem ser de dois tipos principais: curtas, na altura da região pectínea, ou mais extensas, no reto baixo. Os sintomas obstrutivos podem variar bastante em intensidade, podendo ser graves o bastante para justificar a proctectomia como tratamento. O câncer anorretal, como complicação da DC perianal, normalmente apresenta-se sob a forma de uma fístula perianal persistente cuja biópsia revela a neoplasia. Num segundo grupo menos freqüente de pacientes, o câncer pode aparecer como complicação de uma estenose anal. Outros Locais de Manifestação da DC Casos de DC já foram descritos comprometendo outros locais do tubo digestivo, como a cavidade oral, o esôfago, o estômago, o duodeno e o jejuno. Já foram descritos também sítios cutâneos de comprometimento da doença (biópsias positivas para a DC), tais como a pele da região submamária, do umbigo, da bolsa escrotal, do prepúcio e da vulva, sendo este tipo de manifestação da doença chamado de DC metastática. As manifestações extraintestinais mais comumente observadas da DC são: poliartrite simétrica migratória, espondilite anquilosante e periostite difusa; eritema nodoso, pioderma gangrenoso e psoríase; uveíte, ceratite, epiesclerite e conjuntivite; baqueteamento digital; amiloidose; obstrução ureteral e cálculos urinários. Fístulas entero(colo)urinárias, úlcera péptica, pericolangite, colelitíase e colangite esclerosante são complicações adicionalmente descritas em relação à DC. A colelitíase advém como complicação do comprometimento ileal da DC ou no pós-operatório de excisões do íleo terminal para tratamento da doença. |
O
diagnóstico de DC, diante de um paciente com um quadro clínico suspeito,
em geral é confirmado com o estudo radiológico do abdome e do
intestino.
Rx simples Radiografias simples do abdome são importantes para avaliar o grau de dilatação presente em casos de megacolo tóxico e para analisar em que região podem estar ocorrendo fenômenos obstrutivos na DC. Rx contrastado (link 4, link 5) Radiografias contrastadas, por outro lado, possibilitam uma melhor definição do padrão mucoso gastrintestinal. Como o sítio em que a doença mais comumente se assenta é o íleo terminal, o estudo radiológico do trânsito intestinal com contraste baritado simples ou o pneumocolo peroral (contraste baritado pela via oral, seguido da injeção de ar pelo reto quando o contraste alcança a região do íleo terminal) são exames que definem bem a extensão das lesões que comprometem a região. Para comprometimentos mais proximais no tubo intestinal, o enema do intestino delgado (enteroclise com duplo contraste - bário e ar ou metilcelulose) é o exame de escolha para definir a distribuição da doença no intestino delgado, particularmente lesões segmentares, estenoses e fístulas mais proximais. É extremamente útil para diferençar entre lesões de DC e lesões devido a isquemia, linfoma ou outras neoplasias. Para lesões cólicas da DC, o exame radiológico a ser usado, com cuidado, é o enema opaco. A melhor técnica a ser empregada é a de duplo contraste (bário e ar), que define melhor as lesões mucosas da DC. Para pacientes com estado geral muito comprometido, o enema opaco simples (apenas bário, sem insuflação aérea) é preferível a fim de evitar o desenvolvimento do megacolo tóxico ou de perfuração cólica. Tomografia computadorizada (TC) do abdome A TC é exame adjunto importante na detecção de complicações da DC, tais como abscessos e fístulas. É superior neste aspecto à ressonância nuclear magnética (RNM). A RNM, no entanto, define melhor lesões pélvicas, tais como abscessos isquiorretais, ou relaciona com maior definição a presença de fístulas em relação à musculatura levantadora. Ultra-sonografia A ultra-sonografia do abdome não é exame de importância do diagnóstico de doenças inflamatórias intestinais a não ser para afastar a presença de apendicite aguda, abscesso tubo-ovariano, prenhez ectópica e doença inflamatória pélvica. Endoscopia na DC A colonoscopia pode ser de muita valia no diagnóstico de DC, mas encerra riscos elevados por poder provocar exacerbação da colite, perfuração, megacolo tóxico e peritonite em pacientes debilitados. Está indicada quando o quadro radiológico não definiu com certeza o tipo de doença inflamatória intestinal apresentada pelo paciente, quando há suspeita de neoplasia associada (para a retirada de biópsias), no seguimento pós-operatório de pacientes tratados (para acompanhamento de recidivas inflamatórias), para o escrutínio de lesões displásicas graves e como adjunto terapêutico (dilatações endoscópicas pneumáticas de estenoses benignas, descompressão do megacolo tóxico, interrupção de vasos sangrantes e selamento de orifícios fistulosos). Vide na Tabela 2 os achados endoscópicos que diferem a DC da RCUI. A ileoscopia (introdução retrógrada do colonoscópio no íleo terminal) deve ser tentada (e normalmente consegue ser obtida) em todos os pacientes com suspeita de apresentar DC. Mesmo diante de um íleo terminal endoscopicamente normal, biópsias da região devem ser feitas, pois os achados histopatológicos podem definir o diagnóstico. Na colonoscopia, biópsias de mucosa aparentemente normal também podem definir melhor a extensão da doença. (link 6, link 7, link 8, link 9) Outros exames endoscópicos A endo-sonografia (ultra-sonografia endoscópica) pode ajudar na definição de complicações anais da DC, tais como abscessos e fístulas, tendo sido considerada de mais valia do que a TC. A endoscopia digestiva alta pode ser de valia no diagnóstico da DC do esôfago, estômago, duodeno e jejuno proximal. Em casos suspeitos de colangite esclerosante, a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica é fundamental no diagnóstico e, muitas vezes, no tratamento da complicação. Avaliação clínico-laboratorial da atividade da DC A verificação do VHS correlaciona-se melhor com a presença de atividade da doença no colo do que no intestino delgado. A proteína C-reativa correlaciona-se com a presença de DC em atividade, assim como a detecção do receptor solúvel da IL-2 (isoleucina-2). Uma outra forma de acompanhar a atividade da DC é mediante a dosagem de marcadores fecais de perda protéica, tais como a alfa1-antitripsina fecal, proteínas séricas marcadas com o cromo51, ou leucócitos marcados com o índio111. A detecção por meio de medicina nuclear de granulócitos autólogos rádio-marcados reinjetados no indivíduo podem gerar imagens de áreas comprometidas pelo processo inflamatório e é um exame que tem sido utilizado em pacientes muito debilitados que não podem ser submetidos a exames radiológicos ou endoscópicos mais invasivos. O exame, no entanto, não dá pistas quanto à intensidade dos achados inflamatórios. |
A DC do intestino delgado deve ser diferençada da apendicite aguda, diverticulite cecal, abscesso tubo-ovariano, doença inflamatória pélvica, prenhez ectópica, cistos e tumores ovarianos, endometriose, carcinoma cecal, carcinóide ileal, linfossarcoma do jejuno, íleo e ceco, câncer metastático, ileíte isquêmica de mulheres que ingerem contraceptivos orais, vasculites sistêmicas (poliarterite nodosa, lupus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, esclerose sistêmica progressiva, angeíte necrosante, crioglobulinemia essencial mista e dermatomiosite), doença de Behcet, enterite actínica, infecções e infestações intestinais (tuberculose ileocecal, amebíase com ameboma, Yersinia enterocolitica, Mycobacterium avium- intracellulare, Citomegalovirus), jejunoileíte ulcerativa crônica não-granulomatosa, gastroenterite eosinofílica e amiloidose. Diagnóstico radiológico diferencial entre DC e RCUI Pode-se diferençar em 95% dos casos a DC da RCUI pela análise de radiografias realizadas para estudar que tipo de doença inflamatória intestinal o paciente está apresentando. Só o estudo da distribuição da doença já pode definir diante de que afecção se está. A RCUI é uma doença contínua que se propaga retrógrada e simetricamente, a partir da junção anorretal para segmentos cólicos proximais, numa maior ou menor extensão. Por outro lado, a DC se caracteriza por seu caráter segmentar (descontínuo), assimétrico e focal. O reto normalmente não está afetado na DC, ao passo que o íleo terminal está em 85% dos pacientes com a afecção. No intestino delgado, são sinais radiológicos iniciais da DC: distribução grosseira do padrão viloso da mucosa, espessamento de pregas intestinais e úlceras aftóides. As ulcerações comumente estão situadas na borda mesentérica da alça comprometida, enquanto que a borda antimesentérica pode demonstrar redundância e saculações. O aspecto em pedra de calçamento (cobblestone) normalmente é mais observado no intestino delgado. Em casos mais adiantados da DC podem-se observar estenoses, fístulas, massas inflamatórias e abscessos. O sinal do cordão (string sign) é representativo de extensas áreas de inflamação e fibrose circunferencial com estenose luminar. Os achados radiológicos da colite granulomatosa podem ser apreciados na Tabela 1. |
Cerca de 70%
dos pacientes com DC necessitarão de alguma forma de tratamento
cirúrgico ao longo de sua vida. Mas, como esta modalidade terapêutica
não confere cura à doença, o tratamento clínico se impõe na tentativa
de evitá-la, muito embora, seus resultados estejam ainda longe de ser
completamente satisfatórios.
CLÍNICO As drogas utilizadas no tratamento clínico da DC são, em sua grande maioria, as mesmas empregadas no controle clínico da RCUI (vide Módulo VIII), com as seguintes alterações: Aminossalicilatos Os aminossalicilatos demonstram eficiência na DC em doses superiores a 3 g por dia. Corticoesteróides A budesonida, no tratamento da DC ileal e do colo direito é administrada, pela via oral, na dose de 9 mg por dia por 8 semanas na vigência de crises de ileocolite, sendo diminuída para 6 mg por dia por mais 8 semanas como dose de manutenção. É apresentada em cápsulas de liberação controlada ileal contendo 3 mg da substância ativa. Pacientes com doença também presente no colo esquerdo devem fazer uso do preparado na forma de enema que contém 2 g de budesonida. Preconiza-se uma a duas administrações ao dia como enemas de retenção. Imunossupressores Metotrexate O metotrexate inibe a produção de ácido fólico e possui efeitos antiinflamatórios e imunomoduladores. Parece apresentar efeitos benéficos em pacientes com DC quando administrado na dose de 25 mg/semana pela via parenteral (IM). Possui efeitos colaterais considerados menos graves do que os apresentados pela azatioprina e 6-mercaptopurina. Tacrolismus O tacrolismus (FK-506, Prograf) é um antibiótico macrolídeo 50 a 100 vezes mais potente do que a ciclosporina A. Possui um rápido início de ação e tornou-se a droga de eleição para pacientes que apresentam rejeição após o transplante de órgãos sólidos. Possui um mecanismo de ação semelhante ao da ciclosporina A ao inibir a transcrição da isoleucina-2 pelas células T-auxiliares (T-helper). Quando utilizado em conjunto com a azatioprina ou a 6-mercaptopurina, na dose de 0,15 a 0,31 mg/kg/dia, em pacientes com DC refratária, os resultados foram animadores. Micofenolato de Mofetil O micofenolato de mofetil é um inibidor da síntese da purina que possui um potente efeito imunossupressor. Na dose de 2g/dia, particularmente em pacientes com DC que não toleraram ou responderam ao tratamento com a azatioprina ou a 6-mercaptopurina, apresentou resultados animadores. É responsável por menos efeitos colaterais do que as outras drogas imunossupressoras. Antibióticos Metronidazol Credita-se ao metronidazol efeitos antiinflamatórios e imunossupressores além de sua ação antimicrobiana, sendo por isso utilizado na DC. É utilizado principalmente diante de doença complicada por abscessos e fístulas e em pacientes com complicações perianais da DC. A dose preconizada é de 20 mg/kg/dia. É responsável por efeitos colaterais que podem demandar a suspensão da droga. Ornidazol Novo composto nitroimidazólico que vem sendo usado na prevenção da recidiva pós-operatória da DC. A dose recomendada é de 1 g/dia. Parece ser responsável por menos efeitos colaterais do que o metronidazol, mas os resultados atuais ainda não são definitivos. Ciprofloxacina A ciprofloxacina e outros antibióticos de amplo espectro de cobertura antibiótica vêm sendo usados em pacientes intolerantes ou que não responderam ao metronidazol. Tem sido empregada na dose de 1 a 1,5 g/dia. Muito embora os resultados sejam satisfatórios com o emprego da droga, o índice de recidiva da DC após a suspensão do tratamento é elevado. Terapia Biológica Infliximab O fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa) é uma potente citocina pró-inflamatória que tem sido responsabilizada pelo desencadeamento de inflamação intestinal em pacientes com DC. O infliximab é um anticorpo quimérico (75% humano, 25% camundongo) anti-TNF-alfa. Na dose de 5 mg/kg, por meio de infusão endovenosa, o infliximab tem mostrado ser eficiente em induzir melhora clínica e endoscópica em pacientes com DC ativa, de moderada a grave, na luz intestinal. Da mesma forma, na mesma dose, a cada 8 semanas, o infliximab tem sido responsável pela manutenção do estado de remissão clínica em pacientes com DC crônica. Mas, 8 a 12 semanas após cessado o tratamento com infliximab, os sintomas da DC costumam recidivar. Sua administração conjunta com imunossupressores parece prolongar o período de remissão de sintomas da doença. O infliximab também demonstrou ser eficiente na cicatrização de fístulas enterocutâneas e perianais de pacientes com DC. A droga não parece ser eficiente no tratamento de estenoses da DC. O surgimento de linfoma em dois pacientes com DC tratados com o infliximab coloca a droga como ainda merecedora de maiores estudos a fim de que sua real posição no armamentário terapêutico da doença seja estabelecida. CDP571 O CDP571 é um anticorpo IgG4 monoclonal humanizado anti-TNF-alfa que tem demonstrado efeitos satisfatórios em pacientes com DC ativa e em pacientes com fístulas refratárias, na dose de 5 mg/kg. É droga nova e ainda sua utilização na DC está para ser determinada. TalidomidaConhecida por seu efeito teratogênico, a talidomida tem sido investigada em pacientes com DC devido à sua capacidade de inibir a produção do TNF-alfa, ao acelerar a destruição do RNA mensageiro do TNF-alfa. A dose ainda não foi estabelecida e tem variado de 50 a 300 mg/dia. Outras Terapias em Investigação O ISIS-2302 (oligonucleosídio obtido por engenharia genética que inibe a translação do RNAm da molécula-1 de adesão intercelular), a IL-10 (isoleucina-10), a IL-11 recombinante humana, os anticorpos anti-CD4, a linfaferese e a oxigenioterapia hiperbárica são modalidades terapêuticas ainda em investigação. Terapia Nutricional Diferentemente do que ocorrre em relação à RCUI, a DC responde satisfatoriamente ao repouso intestinal e nutrição parenteral total (NPT). Dietas elementares orais podem ser usadas em lugar da NPT e podem dar resultados tão bons quanto os obtidos com o emprego de corticosteróides na doença ativa, mas nenhuma das duas dietas é capaz de manter o paciente prolongadamente em fase de remissão clínica.. O emprego de óleos de peixe contendo ácidos graxos ômega-3, assim como o emprego de ácidos graxos de cadeia curta, ainda precisa de maiores estudos para comprovar sua eficácia. Tratamento de Suporte Pacientes com DC normalmente apresentam exacerbação da diarréia após ressecções intestinais devido à síndrome do intestino curto. A diarréia pode ser tratada então com difenoxilato ou com loperamida, bem como com colestiramina em pacientes com suspeita de malabsorção de sais biliares (em ressecções menores do que 100 cm). Excisões intestinais de mais de 100 cm resultam em esteatorréia que deve ser tratada com dietas pobres em gorduras. A administração parenteral de vitamina B12 pode estar indicada em pacientes com grandes comprometimentos inflamatórios do íleo terminal ou que sofreram excisão deste segmento intestinal. CIRÚRGICO O tratamento cirúrgico acaba sendo necessário em cerca de 85% dos pacientes com DC. Por ser uma doença panentérica, a DC não é cirurgicamente curável. O índice de recidiva de doença ativa após intervenções cirúrgicas para o tratamento de DC é elevado. Sendo assim, o tratamento cirúrgico só deve ser empregado em pacientes com DC complicada. No intestino delgado, enterectomias limitadas ao local de maior comprometimento devem ser econômicas e a reconstituição do trânsito deve ser efetuada primariamente com êntero-enterostomias término-terminais unindo bocas intestinais que à palpação, e macroscopicamente, aparentem normalidade. Se for possível, é melhor praticar a estrituroplastia em vez da excisão segmentar intestinal. Biópsias do local em que a estrituroplastia será realizada devem ser feitas para afastar a presença de displasia grave e neoplasia. Se, ao exame por congelação, estiverem presentes, o segmento deve ser então excisado. Caso contrário, prossegue-se com a estrituroplastia. No intestino grosso, excisões segmentares parecem ser seguidas por um número maior de recidivas no órgão, dando-se preferência então a excisões mais amplas (colectomia subtotal). O tratamento cirúrgico das complicações anais da DC, principalmente fístulas e fissuras, deve ser de exceção, uma vez que, com a entrada em fase de remissão, ou após a excisão de segmentos intestinais remotos doentes, tais lesões orificiais podem cicatrizar espontaneamente. Além do mais, o tratamento cirúrgico das lesões perianais é acompanhado de um índice elevado de complicações (recidivas locais mais graves, incontinência anal). Abscessos, no entanto, devem ser drenados precocemente em associação a antibioticoterapia de cobertura perioperatória. Estenoses anais podem não responder a dilatações digitais ou instrumentais e necessitar de derivação fecal ou proctectomia. |
Apesar da DC
encerrar um risco elevado de recidivas de crises inflamatórias, sabe-se
bem que muitos pacientes entram em fase de remissão clínica apenas com
placebos e que estes podem ser responsáveis por manutenção da remissão
em períodos que podem exceder a um ano.
Mesmo considerando que até 85% dos pacientes com DC acabarão precisando de tratamento cirúrgico em alguma fase de sua doença ao longo de sua vida, e sabendo que uma proporção significativa destes pacientes necessitarão de outras intervenções futuras para controle de doença recidivante, todo esforço deve ser envidado para controlar clinicamente a doença. Risco de Câncer na DC Mesmo sendo baixo o risco absoluto de ocorrência do câncer do intestino delgado, pacientes com DC possuem cerca de 100 vezes mais chances de desenvolver um adenocarcinoma nesta região do que indivíduos normais, especialmente em regiões acometidas há vários anos pela doença. Sendo assim, deve-se evitar procedimentos cirúrgicos de derivação (by-pass) ou estrituroplastias sem biópsia per-operatória quando isto for de todo possível. Acredita-se atualmente que o risco de transformação maligna na colite granulomatosa seja tão elevado quanto o observado na RCUI. Sendo assim, a tendência atual é a de proceder ao seguimento de pacientes de DC à procura de sinais precoces de câncer, assim como se faz com a RCUI. O espectro de ser portador de uma doença para a vida inteira exerce efeitos que influem no equilíbrio psicossocial do portador da DC, que devem ser relevados pelo médico assistente e abordados com atenção redobrada e aconselhamento multiprofissional. |
1. GOLIGHER, J. - Surgery of the
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8. COTRAN: Robbins
Pathologic Basis of Disease, |