Hemorróidas

Definição

   Hemorróidas (palavra invariável quanto ao número, assim como lápis, pires, tênis; devendo-se dizer então: uma hemorróidas, duas hemorróidas...) são coxins teciduais formados por tecido vascular, tecido conjuntivo e elástico e fibras de musculatura lisa existentes no canal anal e ânus.  São constituintes normais da anatomia anorretal humana, existindo em maior ou menor grau em todas as pessoas, sendo a maioria assintomática. A tendência atual, em Coloproctologia, é a de considerar como portadores de Doença Hemorroidária os indivíduos com hemorróidas sintomáticas.

   A palavra hemorróidas provém do grego haemorrhoides, significando corrimento sangüíneo (haem = sangue, rhoos = fluxo, corrimento). No inglês, a palavra pile também é tida como indicativa de hemorróidas. Tal palavra advém do latim pila, que significa bola. Em português, os leigos costumam dizer-se portadores de hemorróidas de botão (piles) ou de hemorróidas de sangue, conforme a manifestação de seus sintomas.

Etiopatogenia

   Possuímos coxins miofibroelastovasculares externa e internamente situados no ânus e canal anal. Tais coxins são preenchidos ricamente por tecido vascular, oriundo dos vasos retais superiores, médios e inferiores. Estes vasos anastomosam-se entre si formando o chamado "corpo cavernoso do reto", no qual artérias conectam-se a veias, sem a presença intermediária de capilares (formando verdadeiros shunts arteriovenosos). Os vasos hemorroidários normalmente são separados e recebem o suporte de fibras musculares longitudinais (muscular da submucosa do ânus) que auxiliam na fixação local dos coxins na metade superior do canal anal (a que se situa acima da linha pectínea). Os coxins vasculares submucosos internos fixam-se, na altura da linha pectínea, à musculatura lisa do músculo esfíncter interno pela cinta do pécten.

   Normalmente, com o ato da defecação, a zona dos coxins vasculares internos desce até o nível do orifício anal, por deslizamento do plano tecidual mucoanodérmico sobre o plano muscular esfinctérico interno. Existe, então, um momento, no ato da defecação, em que os elementos anatômicos situados na altura da linha pectínea ficam caudalmente situados em relação à borda externa dos esfíncteres anais.

   Ao iniciarmos o processo da defecação, com a manobra de Valsalva, ocorre congestão dos coxins teciduais anais, que rapidamente se esvaziam com o relaxamento esfinctérico que ocorre com a passagem do bolo fecal. Tentar forçadamente esvaziar o reto de fragmentos residuais de fezes (após a eliminação do bolo fecal principal), só causará elevação demasiada da pressão vascular anal, com ingurgitação dos coxins vasculares, que será maior se os coxins estiverem situados abaixo da zona de contração esfinctérica.

   A principal causa da doença hemorroidária é a congestão e a hipertrofia dos coxins internos do ânus. Os coxins tornam-se congestos por não se esvaziarem rapidamente após a defecação, por serem anormalmente móveis ou por serem aprisionados por um conjunto esfinctérico anal apertado. Estando congestos, os coxins vasculares possuem maior tendência ao sangramento e ao edema. O edema leva ao aumento de volume e estiramento tecidual e, finalmente, à hipertrofia.

   Fatores que aumentam a pressão positiva intra-abdominal têm sido considerados como predisponentes ao surgimento de doença hemorroidária. Assim é com as hemorróidas da gravidez (por aumento da pressão abdominal provocada pelo útero gravídico), com as hemorróidas de halterofilistas (pelo excessivo aumento da pressão abdominal provocado por manobras de Valsalva repetidas e prolongadas durante a elevação de pesos) e com as hemorróidas de aviadores de caça (que ao "puxarem muito G" em sentido craniocaudal forçam o ingurgitamento dos coxins vasculares do ânus) para citar apenas alguns exemplos.

   A perda dos elementos fibroelásticos de fixação da mucosa anal à musculatura lisa subjacente, por estiramento crônico toda a vez que ocorre esforço para defecar leva ao descolamento da mucosa da musculatura, fazendo com que os coxins vasculares apresentem maior ingurgitação. Tais elementos de fixação atenuam-se por ação endócrina, com a idade, e como conseqüência da constipação intestinal que leva ao esforço demasiado para defecar.

   A eliminação de fezes endurecidas provoca o surgimento de forças de cisalhamento sobre os coxins vasculares internos do ânus pelo escorregamento do plano da mucosa sobre o plano da musculatura lisa subjacente. O plano submucoso, intermediário entre os dois últimos e atravessado que é pelos elementos de  fixação dos coxins vasculares, sofre toda a ação de corte deste escorregamento entre planos teciduais. Tais forças de cisalhamento acabam por romper os elementos de fixação dos coxins e estes, soltos e frouxos, apresentam maior tendência ao ingurgitamento e ao prolapso. O esforço prolongado para a defecação (comum em indivíduos constipados) mantém estes coxins vasculares frouxos exteriorizados para fora da borda externa do esfíncter interno, o que provoca sua constrição e congestão.

   A hereditariedade parece ser um fator a ser considerado na gênese das hemorróidas, pois não é raro observar o relato de familiares com doença hemorroidária em pacientes portadores da mesma.

   Muito embora não existam estudos populacionais cientificamente controlados sobre o assunto, há indícios contraditórios de que a doença hemorroidária é mais comum entre os povos do ocidente desenvolvido do que entre os subdesenvolvidos, provavelmente por causa da dieta, que entre os ocidentais tende a ser pobre em resíduos, levando à constipação.

   Estudos manométricos do canal anal realizados em Birmingham3,4 revelaram existir dois grupos de indivíduos portadores de hemorróidas em relação ao tônus esfinctérico anal: os com hipertonia esfinctérica (em geral, homens jovens com sangramento e desconforto anal, sem prolapso, e que, ao toque retal, apresentavam um canal anal apertado) e os com hipotonia esfinctérica (em geral, mulheres multíparas, com um canal anal frouxo ao toque retal, e que se queixavam de prolapso hemorroidário).

Classificação

   As hemorróidas classificam-se em externas e internas. As hemorróidas externas formam-se dos vasos retais inferiores e situam-se abaixo da linha pectínea, possuindo, pois, cobertura cutânea. As hemorróidas internas originam-se dos vasos retais superiores e situam-se inicialmente acima da linha pectínea, sendo revestidas por mucosa. Ocasionalmente, as hemorrróidas podem avantajar-se de tal forma que a fixação tecidual normalmente existente ao nível da linha pectínea (e que as fixam à musculatura subjacente) é desfeita, havendo a formação das chamadas hemorróidas mistas (internas e externas).

   As hemorróidas internas costumam ser classificadas em hemorróidas de 1º, 2º, 3º e 4º graus.10  As hemorróidas de 1º grau apresentam como indicativo diagnóstico o sangramento, não cursando com prolapso; as de 2º grau apresentam sangramento com prolapso espontaneamente redutível; as de 3º grau sangram e apresentam prolapso que necessita de redução digital; e as de 4º grau estão permanentemente exteriorizadas.

Quadro Clínico

  As manifestações clínicas da doença hemorroidária podem ser divididas nas que ocorrem por conta das hemorróidas externas e pelas internas.

   O sintoma hemorroidário que mais leva pacientes a procurar auxílio médico é o do aparecimento súbito de um nódulo doloroso nas imediações anais: manifestação clínica da trombose hemorroidária externa. A afecção costuma cursar com dor de intensidade variável e pode evoluir para sangramento orificial por necrose da pele que reveste o mamilo hemorroidário trombosado, o que comumente faz a dor ceder. Normalmente, a crise hemorroidária externa surge, em indivíduos predispostos, após grande esforço físico em que ocorre aumento súbito da pressão endoluminar dos vasos retais inferiores, que não se distribui para os canais anastomóticos que os ligam com os vasos retais médios e superiores, por estarem estes constringidos pela massa muscular esfinctérica contraída (em resposta reflexa ao aumento de pressão intra-abdominal). O sangue, aprisionado no vaso retal que forma a hemorróidas externa, coagula-se, formando o processo trombótico. O nódulo anal que se forma, inicialmente doloroso, vai paulatinamente causando menos dor até o 3º ou 4º dia de evolução, a partir dos quais o paciente só se sente incomodado com o aumento de volume anal. O nódulo costuma desaparecer espontaneamente após passados 30 dias. Ocasionalmente, ocorre necrose cutânea por pressão do trombo excessivamente grande sobre a pele, redundando em sangramento perianal, que invariavelmente é acompanhado de diminuição da dor local.

   As hemorróidas internas, por outro lado, raramente são dolorosas. Seu principal sintoma é o sangramento, sendo seguido pelo prolapso, por sintomas de ânus úmido e, mais raramente, por prurido e anemia. Ocasionalmente, entretanto, podem, após apresentarem prolapso, ser aprisionadas pelo tubo muscular esfinctérico e evoluírem para o pseudoestrangulamento hemorroidário (ou prolapso com trombose hemorroidária interna), afecção extremamente dolorosa e incapacitante (a que historicamente é responsabilizada pela derrota de Napoleão Bonaparte em Waterloo!).

   O sangramento de hemorróidas internas caracteristicamente ocorre durante e após a defecação, em geral de fezes sólidas ou ressecadas. O sangue pode recobrir as fezes ou gotejar continuamente após sua saída. Em geral, não se acompanha de dor. Pode ou não haver prolapso hemorroidário concomitante. Hemorróidas que sangram sem apresentar prolapso são hemorróidas ditas de 1º grau. O sangramento hemorroidário repetitivo pode ser causa de anemia ferropriva, que pode ser causa de graves repercuções em pacientes que negligenciam o sintoma.

   O prolapso de hemorróidas com cobertura mucosa (internas) (que em geral ocorre durante a evacuação, mas que, com o tempo, pode se dar após qualquer esforço que aumente a pressão da prensa abdominal sobre o orifício anal) inicialmente reduz-se espontaneamente (hemorróidas de 2º grau), mas passa, com o agravamento da afecção, a necessitar de redução digital (hemorróidas de 3º grau) ou a permanecer exteriorizado constantemente (hemorróidas de 4º grau).

   Com o prolapso costuma ocorrer o acúmulo de secreção mucosa com resíduos fecais que suja (a secreção) a pele orificial e perianal (chamado soiling) e pode manchar as roupas íntimas ou ser causa de prurido anal.

Diagnóstico

  O diagnóstico de doença hemorroidária pode ser inferido pela história de sangramento anal com prolapso indolor, no caso de hemorróidas internas, ou de aparecimento súbito de nódulo anal doloroso após grande esforço físico, no caso de hemorróidas externas. O exame proctológico completo, no entanto, é mandatório para confirmação diagnóstica e para afastar outras causas mais perigosas de sangramento e de tumoração anal.

   O exame proctológico completo consta da inspeção anal, do toque retal, da anoscopia e da retossigmoidoscopia.

   A inspeção anal na trombose hemorroidária externa surpreende um ou mais nódulos arredondados arroxeados recobertos por pele distendida e com graus variáveis de edema da pele circunjacente. Os nódulos localizam-se sobre ou para fora do orifício anal, não sendo nitidamente uma afecção interna. Podem apresentar-se já rotos, com necrose cutânea da pele que os recobre e sangramento ativo em torno do trombo exposto (Figura 1). No caso de hemorróidas internas, se forem de 1º grau, não serão percebidas à inspeção, quando muito poder-se-á visibilizar sinais de sangramento sobre a pele que recobre o orifício anal, sem nenhuma lesão que aparentemente o explique. Se forem de 2º grau, pedindo-se para que o paciente proceda à manobra de Valsalva, notar-se-á prolapso de mamilos hemorroidários, que comumente ocorrem às 3 (mamilo lateral esquerdo), 7 (mamilo direito posterior) e 11 h (mamilo direito anterior), com ou sem sangramento ativo; após a manobra de Valsalva, os mamilos exteriorizados imediatamente reduzem-se por si próprios para o interior do canal anal (Figura 2). Se forem de 3º grau, os mamilos, após apresentarem prolapso à Valsalva, necessitarão de redução digital para retornarem ao interior do canal anal (Figura 3). Hemorróidas de 4º grau apresentam seus revestimentos mucosos permanentemente expostos e não podem ser reduzidas, por já estarem acoladas anomalamente em posição externa ao orifício anal. Hemorróidas de 2ºe 3º, e principalmente as de 4º grau, podem cursar com sinais de ânus úmido à inspeção e a pele perianal pode apresentar sinais de prurido anal (descoloração esbranquiçada, edema de pregas cutâneas, rugosidade cutânea, rágades e resíduos fecais). No caso de prolapso com trombose hemorroidária interna, na realidade, o que ocorre é trombose de ambos os plexos vasculares: o hemorroidário interno e o externo. Assim sendo, notar-se-á acentuado aumento de volume perianal, provocado pelo edema que circunda o mamilo externo trombosado, que, se for afastado, revelará a exposição mucosa arroxeada, com sinais de necrose iminente, do mamilo hemorroidário interno "prolapsado" e trombosado (Figura 4). Em geral, o prolapso hemorroidário interno com trombose é circunferencial, acometendo os três grupos hemorroidários principais.

   Seguindo-se à inspeção, procede-se ao toque retal. Nas hemorróidas externas, a palpação do nódulo anal endurecido poderá ser causa de dor. O nódulo é móvel, arredondado e encontra-se situado externamente em relação ao canal anal, não devendo ser reduzido. O toque retal é feito para afastar doenças concomitantes, mas, em geral, nada mais de anormal é percebido. As hemorróidas internas de 1º grau não são percebidas ao toque retal, a não ser indiretamente, caso o dedo de luva saia manchado de sangue. Hemorróidas de segundo e terceiro graus já podem ser evidenciadas ao toque, uma vez que normalmente cursam com frouxidão tecidual e hipertrofia de coxins vasculares. São percebidas como colunas teciduais que resvalam sob o dedo examinador à proporção que este varre a mucosa circunferencialmente. A sensação palpatória de hipertrofia tecidual é mais acentuada nas hemorróidas de 4º grau. Sangue poderá ser percebido sobre o dedo de luva após o toque, caso exista sangramento hemorroidário ativo ou residual. Em casos de sangramento ativo, notar-se-á a presença de sangue de coloração vermelha rutilante, sinal de que o sangramento hemorroidário não é puramente venoso (em virtude das ricas anastomoses arteriovenosas existentes nos plexos hemorroidários).

   A anoscopia é o exame fundamentalmente diagnóstico para as hemorróidas internas de 1º grau, pois só ela evidenciará a origem de um sangramento hemorroidário em indivíduos que não apresentam prolapso. O exame normalmente demonstrará a existência de três grupos principais de projeções hemorroidárias (3, 7 e 11 h) que apresentam intumescimento para o interior da luz do aparelho, sem haver prolapso orificial. Numa situação fortuita pode-se evidenciar a presença de sangramento hemorroidário porejando de um dos mamilos observados. Nas hemorróidas de 2º, 3º e 4º graus, já diagnosticadas na inspeção, a anoscopia é importante para examinar melhor o grau hemorroidário apresentado pelo paciente e afastar a presença de outras afecções (papilites hipertróficas, que também apresentam prolapso, fissuras anais, que também sangram, por exemplo) ou de afecções concomitantes do canal anal.

   A investigação coloproctológica das hemorróidas não deve terminar sem uma retossigmoidoscopia, pois esta afastará outras causas de sangramento (as hemorróidas são um achado muito freqüente na população, havendo quem ache que após os 50 anos virtualmente toda a população as apresenta; sendo assim, não se deve parar na anoscopia se, num caso de queixa de sangramento às evacuações, descobrir-se a presença de hemorróidas, pois o sangramento do paciente pode ser oriundo de uma afecção situada mais proximalmente no intestino grosso, um câncer, por exemplo). A retossigmoidoscopia pode ser rígida (com aparelhos de até 30 cm de comprimento útil) ou flexível (com aparelhos de 60 cm de comprimento útil). A flexível é menos desconfortável e preferível pela maior extensão intestinal coberta pelo exame.

   Caso persista alguma dúvida diagnóstica quanto ao sangramento apresentado pelo paciente, o mesmo deve ser submetido a um enema opaco ou, preferivelmente, a uma colonoscopia. 

Tratamento

   Conservador

   1. Não invasivo

   O tratamento das hemorróidas varia de acordo com o grau e a gravidade dos sintomas apresentados pelo paciente, com o grau do prolapso, com a experiência do cirurgião e com a disponibilidade do material necessário. Vai desde uma simples orientação para pacientes com graus iniciais de hemorróidas não complicadas até à hemorroidectomia ( a extirpação cirúrgica de hemorróidas complicadas).

   A orientação quanto à manipulação da dieta é importante em pacientes que apresentam constipação intestinal ou diarréia, ambos fatores que aumentam a pressão sobre os coxins vasculares anais e propiciam a formação hemorroidária. A constipação pode ser combatida com o farelo de trigo (30 g por dia) ou laxantes encorpadores das fezes (pó da semente do psyllium, 30 g por dia), com a instituição de um ritmo intestinal regular (evacuar após o desjejum), e com o aumento da ingesta hídrica. Pacientes com tendência à diarréia devem ser investigados quanto à causa do sintoma a fim de que o mesmo possa ser debelado com o tratamento efetivo do problema. Orientar quanto ao hábito intestinal é importante em pacientes com hemorróidas, pois geralmente os mesmos costumam insistir em evacuar pelo menos uma vez ao dia e tentam eliminar qualquer quantidade de fezes porventura existentes no reto, mesmo que de pequeno volume e não suficientes para promover uma evacuação fisiológica. Estes pacientes devem ser instruídos que é normal evacuar o reto de fezes desde três vezes ao dia até uma vez a cada três dias; que devem aprender a obedecer o primeiro reflexo diário para a evacuação, que se dá pela manhã, após o desjejum; e que não devem insistir em evacuar até o último fragmento de fezes, pois o esforço necessário para que tal evento ocorra é um dos principais causadores do descolamento tecidual que leva à formação de hemorróidas.

   O emprego de medicações vasotópicas possui ampla penetração popular pelo seu emprego indiscriminado, com resultados variáveis. Não há, no entanto, estudos objetivos que possam autorizar o seu emprego à busca de eficácia no alívio de sintomas. Da mesma forma, de uso disseminado entre pacientes que sofrem de sintomas hemorroidários, os preparados de uso tópico parecem conferir algum alívio sintomático, seja pelo seu efeito anestésico, antiinflamatório, lubrificante, astringente ou higroscópico.

   A trombose hemorroidária costuma responder bem ao emprego de drogas antiinflamatórias não hormonais de emprego sistêmico (inibidoras das prostaglandinas) que são potentes redutores do edema e dos sinais flogísticos que envolvem esta complicação hemorroidária. Associadas ao calor úmido local (banhos de assento mornos), também com efeitos antiinflamatórios significativos, conseguem atualmente evitar o tratamento cirúrgico na maioria dos casos de trombose hemorroidária externa observados na clínica. 

   2. Invasivo

    A racionalidade do tratamento conservador invasivo é a de provocar fixação da mucosa anal e dos coxins vasculares hemorroidários submucosos à musculatura subjacente, de onde, se não tivessem se descolado, não dariam ensejo ao aparecimento das hemorróidas.

   Os métodos de fixação mucosa atualmente preconizados e em uso em coloproctologia são: tratamento esclerosante, ligadura de hemorróidas com anel elástico, fotocoagulação infravermelha e diatermia bipolar. Outros métodos existem, mas não serão comentados aqui, por terem sido abandonados na prática clínica, ou por não serem amplamente utilizados, são eles: a dilatação anal forçada (técnica de Lord), o congelamento de hemorróidas, a destruição hemorroidária por aplicação de corrente galvânica, a ligadura da artéria retal sob controle ultra-sônico e a laserterapia.

   O tratamento esclerosante consiste da injeção submucosa, na substância dos coxins vasculares e acima deles, de soluções esclerosantes (a solução de fenol a 5% em óleo de amêndoas é a de uso mais consagrado). A substância esclerosante injetada provoca, ao cabo de alguns dias, uma intensa reação fibrótica que levará à fixação do coxim vascular às estruturas subjacentes. Atualmente o tratamento esclerosante é indicado para hemorróidas de 1º grau que sangram.

   Na ligadura elástica de hemorróidas até três mamilos hemorroidários podem ser tratados numa única consulta, com muito pouco desconforto. Um anel elástico de borracha siliconizada é disparado por sobre a base de um coxim vascular, de forma a estrangulá-lo. O mamilo hemorroidário ligado evoluirá para necrose e se destacará, sendo eliminado, juntamente com o anel elástico dentro de 7 a 10 dias. A úlcera anal resultante cicatrizará e provocará, com a fibrose envolvida no processo cicatricial, a fixação da mucosa circunvizinha aos planos teciduais subjacentes. A ligadura elástica de hemorróidas é o tratamento atual de eleição para hemorróidas de 2º grau, que, após o advento deste método, só são operadas em 20% dos casos.

   A fotocoagulação infravermelha consiste na aplicação de pulsos de radiação infravermelha em múltiplos pontos coroando um ou mais coxins vasculares internos. A lesão térmica puntiforme múltipla causada evolui para a coalescência, formando uma úlcera, que, ao cicatrizar, fixará a mucosa da mesma forma que nos métodos anteriores. Os melhores resultados obtidos com a fotocoagulação infravermelha são com hemorróidas de 1º grau.

   A destruição por diatermia bipolar usa o efeito diatérmico da corrente elétrica para causar destruição térmica de um ou mais coxins vasculares internos. É um método que vem sendo usado em alguns centros com declarado sucesso. Consiste no pinçamento (pinça de diatermia bipolar) de toda a base de um mamilo hemorroidário e da aplicação da corrente elétrica em alta freqüência (que só provoca o aumento de temperatura tecidual e não choque), que flui de uma extremidade à outra da pinça. A elevação da temperatura tecidual provoca necrose por coagulação do tecido aprisionado entre os ramos da pinça. O tecido necrosado se destacará e resultará numa úlcera, que, cicatrizando, fixará a mucosa circunjacente às estruturas situadas em planos imediatamente inferiores.

   Cirúrgico

   A hemorroidectomia é o tratamento mais eficaz no que diz respeito ao desaparecimento dos sintomas hemorroidários. Em função dos resultados que dá no tocante ao alívio das queixas dos pacientes, é a forma de tratamento contra a qual todos os outros métodos de controle de hemorróidas devem ser comparados. Não fossem o desconforto pós-operatório (dor, produção de secreções anais fétidas, retenção urinária) e as complicações que envolvem a adoção desta forma de terapia (hemorragia secundária, fissura anal, abscesso/fístula anal, plicomas, pseudopólipos, cistos epidérmicos, estenose anal, incontinência) ela seria seguramente mais empregada do que é atualmente.

   Dentre as diversas formas de hemorroidectomia, três são as mais empregadas no mundo inteiro ainda na atualidade: a hemorroidectomia aberta, a semi-aberta e a fechada. Nas três, o tempo inicial da operação é o mesmo, ou seja, o descolamento do coxim vascular com seu componente externo associado e ligadura transfixante suprapectínea de sua base. Na técnica aberta, as feridas são feitas em formato de raquete, com o cabo da mesma voltado para o orifício anal (entre outras razões, para assegurar que a porção intra-anal da ferida cicatrize antes da cutânea externa, para evitar a formação de fissuras anais pós-operatórias), e são deixadas abertas para cicatrizar por segunda intenção. Tais feridas cicatrizam em média em 30 a 45 dias. Na técnica semi-fechada, a mucosa é reaproximada até a altura da linha pectínea e, daí para fora, a ferida é deixada aberta como na técnica anteriormente descrita. Nela as feridas cicatrizam dentro de 21 a 30 dias. Na técnica fechada, as hemorróidas são retiradas por descolamento subcutâneo-mucoso a partir de incisões lineares sobre a substância dos coxins vasculares hipertróficos. Após a retirada dos componentes vasculares das hemorróidas, a pele e a mucosa do canal anal são reaproximadas com um chuleio contínuo de fio absorvível sintético pouco reativo. Na técnica fechada, quando não ocorre deiscência das feridas cirúrgicas anais, as mesmas cicatrizam por completo em 7 dias. Em cada uma das três técnicas retira-se no máximo os três mamilos hemorroidários principais, tendo-se o cuidado de se deixar pontes cutâneo-mucosas interpostas entre as feridas, com no mínimo 1 cm de largura, para evitar a estenose anal pós-operatória.

   Mais recentemente, vem-se preconizando a hemorroidectomia com o emprego de um grampeador circular apropriado para o procedimento - a hemorroidectomia por grampeamento automático. Nesta técnica, produz-se a excisão circunferencial da área do canal anal cirúrgico onde se assentam as hemorróidas. O procedimento é de realização rápida e é reputado como menos doloroso do que as técnicas convencionais de hemorroidectomia. A hemorroidectomia por grampeamento automático ainda é considerada um procedimento não adequadamente estudado.

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Tratamento do Prolapso Hemorroidário Interno com Trombose (Pseudoestrangulamento Hemorroidário)

    O prolapso hemorroidário interno com trombose é uma afecção dramática tanto no sentido visual, para o examinador que se depara com um caso típico da doença, quanto no sentido sintomático, para o paciente por ele acometido, que repentinamente é acometido de intensa dor anal e saída profusa de secreção serossangüínea oriunda dos mamilos "prolapsados" e trombosados. O tratamento inicial deve constar da aplicação de antiinflamatórios não hormonais e alívio da dor. Se o paciente puder contar com o concurso de um coloproctologista experiente, poderá ser encaminhado para uma hemorroidectomia aberta de emergência. Caso contrário, é melhor que o processo seja "esfriado" (antiinflamatórios não hormonais, calor úmido local, repouso no leito, amolecimento das fezes, eventualmente antibióticos em pessoas imunodeprimidas, e sedação da dor) com redução do edema e dos fenômenos flogísticos intensos associados. O paciente poderá ser operado, então, 72 a 96 h mais tarde, quando houver menos alteração anatômica na região anal.
   Hemorroidectomias de urgência em pacientes com pseudoestrangulamento hemorroidário podem apresentar, como complicação pós-operatória, estenose anal cicatricial em virtude das grandes excisões teciduais eventualmente realizadas. Caso realmente o paciente acometido pela afecção necessite do tratamento cirúrgico é melhor realizá-lo após redução significativa do edema anal.
   Atualmente, com as potentes drogas antiinflamatórias não hormonais existentes, tem-se conseguido evitar o tratamento cirúrgico precoce destes pacientes. É possível, nestes casos, inclusive adotar métodos conservadores invasivos para tratamento da doença que restar após a redução da trombose e do edema característico do pseudoestrangulamento.

Prognóstico

   Não há estudos realmente amplos e de acompanhamento duradouro o suficiente de pacientes tratados de hemorróidas.

   Crises sintomáticas isoladas de sintomas hemorroidários costumam responder satisfatoriamente ao tratamento clínico. Sinal disto é o grande número de pacientes hemorroidários que se automedicam e deixam de procurar aconselhamento médico, movidos por uma série de barreiras que os impedem de assumir a conduta correta.

  Hemorróidas que apresentam sintomas mais pungentes e repetitivos, por outro lado, acabam vencendo as resistências que o paciente possa ter e levam-no a procurar auxílio médico.

   Os resultados do tratamento clínico não invasivo variam de acordo com a gravidade da doença hemorroidária apresentada pelo paciente. Hemorróidas não sintomáticas, descobertas ao acaso no exame físico do paciente, não requerem tratamento, talvez apenas aconselhamento quanto à dieta (evitar condimentos picantes, bebidas alcoólicas), ao ritmo e hábito intestinal (evacuar após o desjejum, não ler no banheiro, não forçar indevidamente a evacuação de fezes de pequeno volume, não usar papel higiênico) e ao efeito, sobre a região anal, de atividades que exijam grandes esforços físicos (evitar o aumento excessivo da prensa abdominal). Hemorróidas de 1º grau ou de 2º grau inicial que sangram em pacientes com constipação intestinal podem deixar de ser sintomáticas apenas com o amolecimento das fezes propiciado por uma dieta rica em resíduos ou com o emprego de medicações laxativas moderadoras do trânsito intestinal (à base de metilcelulose). O emprego de medicações vasotópicas embora aparentemente pareça conferir alívio sintomático para alguns pacientes, não possui estudos controlados que justifiquem seu uso embasado em resultados objetivos. O mesmo ocorre com o uso de medicações de uso tópico. Hemorróidas externas trombosadas, em nossa experiência, são tratadas clinicamente com o emprego de antiinflamatórios não hormonais de uso oral ou retal e banhos de assento mornos. A grande maioria regride ao cabo de 3 a 4 semanas, algumas vezes deixando um plicoma como "reliquat", mas sem maiores conseqüências clínicas.

   Os resultados do tratamento clínico invasivo publicados na literatura em geral constam de diversas casuísticas com números relativamente pequenos de pacientes que comparam dois ou mais métodos de fixação mucosa entre si, em seguimentos não muito longos. De sua análise pode-se depreender que, para hemorróidas sintomáticas de 1º grau e 2º grau inicial, tanto a escleroterapia, a ligadura elástica de hemorróidas, a fotocoagulação infravermelha como a destruição pela diatermia bipolar dão resultados igualmente satisfatórios, dependendo da perícia do executor do método. Um tratamento bem aplicado conferirá alívio sintomático por em média 3 anos. Se houver recidiva precoce dos sintomas, o mesmo método ou um dos outros existentes pode novamente ser aplicado, antes de se decidir pelo tratamento cirúrgico convencional. Para hemorróidas de 2º grau avançadas e para as de 3º grau iniciais, a ligadura elástica de hemorróidas têm conferido os melhores resultados obtidos na clínica, pois, além de causar a fixação da mucosa circunjacente, promove uma verdadeira mini-hemorroidectomia no paciente. A ligadura elástica de hemorróidas tem tornado assintomáticos até 80 % dos pacientes portadores destes graus de hemorróidas e seus bons resultados costumam perdurar por até 3 anos. Hemorróidas de quarto grau e as de terceiro grau avançado são de tratamento cirúrgico convencional.

   Hemorróidas excisadas adequadamente por uma das técnicas de hemorroidectomia convencional não retornam. Outras hemorróidas, no entanto, podem vir a se formar com o passar dos anos, à semelhança das originais. É bom que isto seja explicado ao paciente, pois o mesmo deve ser orientado a instituir hábitos que diminuam a tendência à formação de hemorróidas, conforme assinalado acima. É bem verdade, que não poderemos retirar a tendência inata do paciente ao desenvolvimento da doença hemorroidária ou desaconselhar uma gravidez numa paciente em idade fértil, mas ele e ela  devem ser orientados a evitar a constipação, a controlar a diarréia, a instituir um hábito intestinal saudável e a evitar atividades e atitudes que sabidamente são formadoras de hemorróidas (halterofilismo, ficar na posição de cócoras por períodos prolongados de tempo, etc).

Bibliografia

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6. http://www.colorectalsurg.com/hemorr.htm (resumo sobre hemorróidas)

7. http://www.niddk.nih.gov/health/digest/pubs/hems/hemords.htm (resumo sobre hemorróidas)

8. http://quickcare.org/gast/hemorrhoids.html (resumo sobre hemorróidas).

9. Fazio VW. Early promise of stapling technique for haemorrhoidectomy. Lancet 2000; 355:768-9.

10. http://www.health-store.com/hemorrhoids/symptoms.htm (classificação das hemorróidas).

11. http://www.tglobaltrading.com/featured.htm#Out-Patient%20therapy (ligadura da artéria retal).