Noções de Coloproctologia

Importância

No prefácio da quinta edição do Surgery of the Anus, Rectum and Colon (Baillière Tindall, Londres, 1984) John Goligher professou o desejo de que seu livro pudesse "persuadir alguns cirurgiões de que a emergente especialidade Coloproctologia, embora cheia de desafios, fosse capaz de trazer muita satisfação, tanta que os convencesse a abraçá-la como sua principal área de interesse profissional." Pois, seu desejo foi cumprido e, hoje, a Coloproctologia firmou-se como especialidade cirúrgica que tem trazido significativos avanços no conhecimento que se tem sobre a região terminal do tubo digestivo, simplesmente porque alguns pesquisadores dedicaram suas vidas ao estudo da anatomia, funcionamento, alterações patológicas e tratamento do que ocorre em relação ao ânus, reto e colo.  

Mas por que alguém se interessaria em estudar esta região da anatomia humana tão envolta em (pre)conceitos míticos? Simplesmente porque muitas das alterações patológicas que comprometem a região anorretocólica representam causas importantes de incapacidade funcional, retirando os indivíduos, por elas acometidos, de seu convívio social e profissional. No pragmatismo atual do modo de vida Ocidental, incapacidade funcional representa prejuízo e recuperar o mais breve possível a força laborativa tornou-se uma questão de sobrevivência. Entendendo isto, e observando que um número substancial de afecções observadas na prática clínica diária eram de origem coloproctológica, muitos cirurgiões passaram a dedicar seu tempo integralmente a estudá-las, entendê-las e tratá-las.

A Coloproctologia estuda tudo o que acontece com órgãos que controlam nossas necessidades mais básicas. Se essas necessidades não forem satisfeitas a contento, dificilmente teremos tranquilidade para satisfazermos as outras necessidades tidas como mais "nobres". Imaginem se será possível assistir a uma aula com atenção ou participar alegremente de uma festa de aniversário quando se está com uma diarréia, ou com uma hemorróidas sangrando! Pois bem, foi aprendendo a tratar e tratando das afecções que incidem sobre esta importante região de nossa economia orgânica - a colorretal -  que a Coloproctologia atingiu seu status de grande especialidade.

Conceito

Coloproctologia é o ramo da Cirurgia que trata do colo, do reto e do ânus e de suas doenças.

Etimologicamente, colo advém do latim collon, ou do grego kólon, significando parte do intestino grosso situada entre o íleo e o reto; procto advém do grego proktós, significando ânus e, por extensão, reto; e logia advém do grego lógos, significando ciência, estudo.

A Coloproctologia estuda então o intestino grosso (colo + reto) e o ânus: a porção terminal do tubo digestivo.

Anatomia

O intestino grosso inicia-se onde termina o íleo e estende-se até o ânus. Para a Coloproctologia, é dividido didaticamente em ceco (com seu apêndice), colo ascendente, ângulo hepático do colo, colo transverso, ângulo esplênico do colo, colo descendente, colo sigmóide, reto e canal anal, sendo o ânus o orifício de abertura externa do canal anal. Possui de 120 a 200 cm de extensão e é mais largo no ceco, diminuindo progressivamente de calibre até o reto, onde novamente se dilata para ser uma vez mais estreitado pelo canal anal.

As características que facilmente distinguem o intestino grosso do delgado são o seu maior calibre, seu aspecto sacular, a presença dos apêndices epiplóicos, a inserção nele do omento e a sua maior fixação parietal. O que mais chama a atenção na parede do intestino grosso é a concentração de sua camada muscular longitudinal em faixas de tecido esbranquiçado denominadas tênias. As tênias formam as haustrações do intestino grosso por serem mais curtas do que este. (Imagine numa faixa de tecido sintético, desses dos quais são feitas nossas roupas, o que acontece quando nós puxamos um dos fios que compõem a malha tecidual: ela forma uma série de pregas, simplesmente porque o fio puxado ficou mais curto do que os outros que compõem a malha... É exatamente isto que ocorre no intestino grosso: as haustrações são formadas pelo pregueamento causado no intestino grosso pelas tênias mais curtas do que ele.). São três as tênias: a mesentérica e duas antimesentéricas, a anterior e a posterior. Elas provêm do local de inserção do apêndice cecal, que possui um revestimento completo circunferencial de musculatura lisa longitudinal, sendo esta uma manobra que se pode utilizar para a identificação do apêndice (seguir a tênia antimesentérica anterior até a sua origem). Entre as tênias, a parede do colo é deveras fina, o que explica sua extrema capacidade em distender-se em casos de obstrução. As tênias cólicas unem-se ao alcançarem o reto, formando nele uma camada completa de revestimento muscular liso longitudinal, a exemplo do apêndice. O colo, diferentemente do que ocorre com a musculatura longitudinal, mais externa, é completamente envolvido, em toda a sua circunferência e em toda a sua extensão por uma camada mais interna de musculatura circular.

O colo é irrigado por ramos das artérias mesentérica superior e inferior. O colo direito (ceco, ascendente, ângulo hepático e dois terços proximais do transverso) é irrigado pelas artérias ileocecal, cólica direita e cólica média, enquanto que o colo esquerdo (terço distal do transverso, ângulo esplênico, descendente e sigmóide) é irrigado pelas artérias cólica esquerda e sigmóideas. As artérias cólicas adjacentes anastomosam-se umas às outras formando uma arcada arterial contínua que corre paralela à borda mesentérica do colo, da região ileocecal até a retossigmóidea. O vaso que forma esta arcada é denominado de artéria marginal do colo. As veias que drenam o colo recebem denominação idêntica às artérias cólicas, desembocando nas veias mesentéricas superior e inferior.

O reto é irrigado pelo ramo terminal da artéria mesentérica inferior, a artéria retal superior, pela artéria retal média, ramo da artéria ilíaca interna, e pela artéria retal inferior, ramo da artéria pudenda interna. Tais artérias anastomosam-se entre si formando uma trama vascular que envolve completamente o reto. A artéria retal superior, no nível entre a segunda e a terceira vértebra sacrais, divide-se em dois ramos, um direito e outro esquerdo. Mais abaixo, o ramo direito subdivide-se em ramo anterior e outro posterior. As veias retais acompanham o trajeto das artérias homônimas e já foram anteriormente denominadas de veias hemorroidárias. Acha-se que é por causa da distribuição anatômica dos vasos retais superiores que existem três grupos hemorroidários principais: o esquerdo (3 h), o direito anterior (11 h) e o direito posterior (7 h).

A drenagem linfática do colo se faz dos plexos linfáticos submucosos e subserosos, que se intercomunicam por meio de canais que atravessam a parede muscular do colo, para os linfonodos epicólicos, distribuídos ao longo da superfície do colo, sob a serosa e nos apêndices epiplóicos. A partir daí, a drenagem linfática do colo acompanha sua irrigação sangüínea. Os linfonodos epicólicos drenam para os linfonodos paracólicos, que se situam ao longo da artéria marginal em posição subperitoneal. Dos linfonodos paracólicos, a linfa flui para os linfonodos intermediários, situados ao longo dos vasos cólicos. Dos linfonodos intermediários, a drenagem linfática prossegue para os linfonodos principais, situados na origem das artérias mesentéricas. Deles, a drenagem deságua na cadeia linfática iliolombar para, por fim, esvaziar-se no ducto torácico. A drenagem linfática do reto também segue os vasos sangüíneos que suprem o órgão. Sendo assim, há três vias de drenagem linfática do reto: a superior, por meio de canais linfáticos e linfonodos que acompanham os vasos retais superiores, indo terminar nos linfonodos principais da cadeia aórtica; a lateral, por meio de canais linfáticos e linfonodos que acompanham os vasos retais médios, indo desembocar nos linfonodos ilíacos internos, na parede lateral da pelve; e a inferior, por meio de canais linfáticos e linfonodos que acompanham os vasos retais inferiores e seus ramos, atravessando os espaços para-retais, a pele perianal e eventualmente chegando aos linfonodos inguinais.

O colo e o reto possuem inervação intrínseca e extrínseca. A inervação intrínseca é semelhanmte à do intestino delgado. A inervação extrínseca é feita pelo sistema nervoso autônomo, com seus componentes simpático e para-simpático. A inervação simpática do colo deriva do 11º e 12º nervos torácicos e dos 1º e 2º nervos lombares. Fibras destes nervos acompanham as artérias mesentéricas e seus ramos cólicos até terminarem na parede cólica. A inervação para-simpática do colo parece originar-se de fibras oriundas do vago posterior, que atuam sobre o colo direito, e de fibras originadas dos 2º, 3º e 4º nervos sacrais, que atuam sobre o colo esquerdo. No colo, o simpático exerce um efeito inibidor sobre a peristalse cólica e produção de secreções, mas estimula a contração dos esfíncteres situados na papila ileal e no reto. O para-simpático acelera a atividade motora e secretória do colo, estimulando a peristalse e abrindo o esfíncter retal.

Uma noção importante em Coloproctologia é a diferença, para o cirurgião, entre canal anal anatômico e canal anal cirúrgico. O canal anal inicia-se no orifício anal, ou ânus, que é revestido por pele completa (provida de fâneros) e passa a ser recoberto, em direção cranial, por pele modificada (desprovida de fâneros) até o nível da linha pectínea (do latim pecten, pente, ou crista de galo), acima da qual o tecido encontrado é mucoso: mucosa retal. O canal anal anatômico inicia-se à altura da linha pectínea e termina no rebordo anal. O canal anal cirúrgico inicia-se à altura do anel anorretal (formado pela alça do músculo puborretal) e termina no rebordo anal. Uma série de afecções proctológicas acometem o canal anal acima da linha pectínea, estando anatomicamente situadas no reto, mas comportando-se como se pertencessem ao canal anal, estando dentro dos limites musculares deste. Da constatação deste fato deriva o conceito de canal anal cirúrgico.

Fisiologia

A função do colo é a de receber o conteúdo ileal nele despejado pela papila ileal, absorver água e eletrólitos deste conteúdo e armazenar as fezes resultantes até que seja oportuno expeli-las pelo ânus. Dos 800 - 1.000 ml de conteúdo ileal despejado diariamente pelo íleo no ceco, apenas 150 ml são excretados como fezes pelo ânus.

A absorção de água e eletrólitos das fezes pelo colo ocorre à proporção que estas são propelidas distalmente em direção ao ânus. Neste caminho, as fezes sofrem o efeito de contrações cólicas que podem basicamente ser divididas em dois tipos: as propulsoras e as de segmentação, não propulsoras. As contrações de segmentação, não propulsoras, são formadas por contrações isoladas da musculatura circular do colo e servem para misturar e assegurar um bom contato entre as fezes e a mucosa do colo. Elas ocorrem randomicamente e tendem a retardar o trânsito fecal. As contrações propulsoras subdividem-se nas que se estendem por um segmento curto de colo e naquelas que migram rapidamente para grandes segmentos do colo (contrações em massa). As contrações propulsoras de segmento curto podem se dar em sentido peristáltico ou antiperistáltico e geralmente ocorrem no colo direito. As contrações em massa iniciam-se no colo transverso e caminham rapidamente (1 cm/s) em sentido caudal, sendo sucedidas por uma zona de relaxamento do colo que se situa distalmente à zona de contração. Há 3-4 contrações em massa do colo esquerdo durante o dia, que são estimuladas pela ingesta alimentar e por exercícios físicos. O reflexo gastrocólico em geral é melhor percebido após o desjejum, sendo este o melhor momento do dia para que o reflexo para a evacuação seja obedecido.

Pela manhã, após o desjejum, estamos sob o estímulo de três reflexos para a defecação fisiológica: o ortocólico (causado pela mudança postural ao levantarmo-nos do leito), o gastrocólico (causado pela ingesta do alimento do desjejum) e o colocólico (provocado pela entrada de conteúdo ileal no ceco). Todos estes três reflexos evocam uma contração em massa do colo.
As fezes, ao chegarem no reto, precisam ser reconhecidas para evocarem o desejo de evacuar. Inicialmente, o reto acomoda-se (mecanismo de acomodação) ao material fecal que nele adentra, guardando-o até que o momento oportuno para a defecação ocorra. Periodicamente, a porção cranial do esfíncter interno do ânus se relaxa e deixa que o material contido no reto entre em contato com o epitélio sensitivo do canal anal, que reconhece a natureza do material presente (fezes sólidas, líquidas ou gases). Este é o mecanismo de amostragem do reto e do canal anal. Se o momento não for propício para a defecação, o indivíduo contrai voluntariamente o esfíncter externo e interrompe a amostragem. Caso contrário, caso seja pretendida a evacuação do reto, o indivíduo assume a posição de cócoras (ou a modificada, que assumimos no vaso sanitário) promove uma manobra de Valsalva, curva o tronco para a frente, para retificar o ângulo anorretal, relaxa o esfíncter externo e elimina o conteúdo retal (defecação).

Exame Proctológico

Valor Propedêutico Significado Inspeção Toque Retal Exame Endoscópico

Bibliografia

GOLIGHER, J. - Surgery of the Anus, Rectum and Colon, 5th ed., London, Baillière Tindall, 1984. 1186 p.

GOLIGHER, J. - Cirurgia do Ânus, Reto e Colo. 5.ed. São Paulo, Manole, 1990. 1277p.

KEIGHLEY, M.R.B. & WILLIAMS, N. S. - Surgery of the Anus, Rectum and Colon, London, W. B. Saunders Co. Ltd., 1993, 2448 p.

KEIGHLEY, M.R.B. & WILLIAMS, N. S. - Cirurgia do Ânus, Reto e Colo, São Paulo, Editora Manole Ltda., 1998, 2448 p.

ZUIDEMA, G. D. & CONDON, R. E.- Shackelford’s Surgery of the Alimentary Tract, 3rd. ed., Vol. IV - Colon, Philadelphia, W. B. Saunders Co. Ltd., 1991, 426 p.

http://cpmcnet.columbia.edu/texts/guide/hmg22_0001.html#22.1 (resumo da anatomia e fisiologia do colo, do reto e do ânus)

http://www.gutfeelings.com/LGINTESTINE.HTML (site de endoscopia que descreve superficialmente a anatomia e a fisiologia do intestino grosso)

http://www.eb.com  (site da Enciclopédia Britânica. Boa descrição anatômica do intestino grosso com pranchas ilustrativas de Frank Netter, da Ciba Collection). Há que se associar ao site para colher informações do mesmo. Recomendado.